sábado, 15 de outubro de 2022

 

DEUS E HOMEM EM SÃO VICENTE PALLOTTI - PARTE II


Fr. João Vitor de Paula, SAC

São Vicente Pallotti, sacerdote romano, apóstolo e místico, sempre foi incansável em sua missão junto ao clero de Roma. Reconhecendo suas limitações e pecados, buscou compreender a relação de Deus com o homem enquanto ser pecador, sendo que para responder a esse questionamento é preciso, antes de tudo, entendermos o conceito de Homo Viator que Pallotti utiliza em seus escritos.

Todo cristão é convidado a ser um peregrino que busca algo a mais, consciente de que a presença divina o impulsiona a caminhar e a testemunhar. Eis, então, um dos conceitos que Pallotti nos apresenta para o Homo Viator: “se deslocar, se descentrar dele mesmo para se centrar no essencial, ou seja, na glória de Deus e na salvação das almas”[1]. É obrigação de todo homem a cooperação com Deus para a salvação do próximo, em que esta é um dos dons mais preciosos que temos.

Outro conceito que Pallotti nos apresenta para Homo Viator é do homem que reconhece a sua própria miséria e a do próximo. Esta miséria é algo próprio do ser humano, que busca em seus vazios preencher o que lhe falta. Esta miséria é indefinível, pois a ela estão ligados os nossos pecados. Por isso, São Vicente Pallotti se abre para a novidade, buscando sempre reconhecer tais misérias e, por meio de penitências, encontrar um caminho de mudança e conversão, voltando à dignidade humana de ser imagem e semelhança de Deus.

Assim, Pallotti vai descobrindo que não é somente o homem que vai ao encontro de Deus, como um peregrino, mas que também Deus se torna esse peregrino que vai ao encontro do homem. “O homem peregrino é acompanhado pelo “Deus peregrino”. [...] deve se deixar visitar e transformar interiormente por Deus "infinitamente comunicável', que vem ao seu encontro”[2].

Destarte, podemos então na relação de Deus e o homem em São Vicente Pallotti, a partir de tal conceito de Homo Viator, quem é então Deus para o homem? Pallotti vem então responder que Deus é tudo, “Vós sois o meu bem eterno. Vós, o meu tudo[3]. Este é o primeiro conceito dado a Deus por São Vicente Pallotti que podemos encontrar, pois para Pallotti, era muito difícil nomear, conceituar Deus, com isso o santo romano atribui a Deus adjetivos como tudo, infinito, meu princípio, meu fim último, dentre outros[4].

Dentre tais adjetivos os mais aparentes nos escritos de Pallotti são Deus Amor e Misericórdia infinitos. Para São Vicente Pallotti, como já dissemos, não era fácil falar de Deus, por isso, muitas vezes utilizava-se de superlativos para referir-se a Deus, inclusive de sinais que demonstravam esta grande presença de Deus em sua vida Para o santo romano, o amor infinito de Deus é a própria misericórdia, sendo esta, o excesso de amor incompreensível[5].

Para que Pallotti escrevesse sobre o amor infinito de Deus para com ele era preciso que experimentasse de tal misericórdia, reconhecendo assim, suas limitações e dificuldades. Deste modo, revigoraria suas forças, num processo de conversão, buscando sua própria salvação e a do próximo, voltando ao conceito de Homo Viator, demonstrando o seu desejo de corresponder ao amor infinito que Deus tem para consigo.

 

Meu Deus, o Amor vos obriga a Excessos. Mas os Excessos do vosso Amor infinito para comigo é infinitamente maior do que todos os Excessos do vosso Amor que operastes e operarás para com todas as criaturas que existiram, existem e existirão... Uma coisa me consola nesse nosso excesso sempre antigo e sempre novo de todos os momentos de minha vida, e é esta: consola-me que, por toda a Eternidade, será, por esse vosso Excesso, glorificado o vosso amor infinito tão infinitamente misericordioso para comigo[6].

Pallotti enquanto sacerdote romano era muito ativo entre o clero e todo o povo de Deus, com isso não poderia ficar indiferente diante de tão grande amor de Deus para com ele. Corresponder a misericórdia divina seria a perfeita cooperação para com o próprio Deus, uma reciprocidade, correlação e correspondência. Mas assim, Pallotti se depara com o questionamento de quem é o homem diante de vós?

Quem sou eu diante de Deus, é a pergunta que Pallotti responde reconhecendo suas misérias, mesmo sendo aquelas que estão no mais oculto de seu íntimo. “Onde está o Homem do Pecado? Ei-lo: eu sou o homem do pecado[7]. Pallotti se reconhece como o homem do pecado fazendo referência a Segunda Carta de São Paulo aos Tessalonicenses em que o ímpio se revelará. Com tudo, São Vicente Pallotti não deixa que tal afirmação o abale, pois confia no Deus que é Amor infinito, que age com sua misericórdia. É por isso que Pallotti vê o homem e se reconhece como o homem do pecado, pois mesmo tendo seus atributos, suas habilidades, sendo criado a imagem e semelhança de Deus, refere-se ao homem como “homem do pecado”, justamente para destacar que Deus é o Amor infinito, Ele é maior que tudo.

Mas para que o homem possa cooperar com Deus em sua misericórdia é preciso que se aproxime de d'Ele, ou seja, que o homem busque ser o próprio Deus, assim escreve Pallotti: “ó meu Deus, absorvei-me todo, e sou e serei, pela vossa misericórdia, transformado na misericórdia, aniquilado na misericórdia, transformado na misericórdia infinita [...] de modo que não existo eu, nem existirei mais, e sim vossa infinita Misericórdia”[8]. Por outro lado, Pallotti reconhece que precisa também da humildade de Jesus Cristo, humilhando-se, pois o que afasta o homem de Deus é o orgulho impedindo de conhecer verdadeiramente Deus.

Assim sendo, São Vicente Pallotti escreve o caminho que homem deve percorrer para que possas chegar ao conhecimento de Deus, sendo este o caminho do nada ao tudo. Ou seja, o homem que é o nada, reconhece suas misérias, limitações e dificuldades, mas que confia em Deus que é o tudo, o Amor infinito, a Misericórdia. “Vós, meu Deus, vós sois tudo, tudo, tudo, eu não sou nada, nada, nada”[9]. Do nada ao tudo, Pallotti acredita que pelo Amor infinito Deus pode transformar o homem concedendo a ele dons, graças e inspirações para que possa cooperar com Deus em sua própria salvação e a de seu próximo.

Podemos concluir que o “nosso único fim é a glória de Deus e a salvação das almas, o único mal é o pecado, o único bem é o paraíso, o único exemplo de vida é Jesus Cristo e o único meio para alcançar a misericórdia é a ajuda ao próximo nas necessidades espirituais e temporais”[10]. Por isso, “a regra fundamental de nossa mínima congregação é a vida de nosso Senhor Jesus Cristo, a ser imitado em todas as obras da vida pública e oculta e dos ministérios evangélicos, para a maior glória de Deus nosso Pai celeste e para a maior santificação da nossa alma e a dos nossos próximos[11]. Assim, Pallotti em seus escritos deixa claro que não é possível compreender o homem sem Deus.



[1] STAWICKI, Stanislaw. Cooperação, paixão de uma vida: vida e maneira de viver de Vicente Pallotti, Santa Maria: Biblos, 2007, p. 145.

[2] Idem, p. 149.

[3] OOCC X, 447.

[4] OOCC XI, 42.

[5] OOCC XIII, 129.

[6] OOCC X, 278.

[7] OOCC X, 700.

[8] OOCC X, 366.

[9] OOCC X, 237; 485.

[10] OOCC IV, 46.

[11] OOCC III, 40.

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