sexta-feira, 21 de maio de 2010

Explicação do quadro da Rainha dos Apóstolos

A imagem da Rainha dos Apóstolos foi pintada, em 1847, por Serafim Cesaretti (1777-1858), a pedido de São Vicente Pallotti. Nela aparece em destaque o Espírito Santo e Maria, Rainha dos Apóstolos. A pintura foi baseada na obra de Frederico Overbeck (1789-1869), pintor romancista alemão.
Maria aparece, no centro, com uma auréola na cabeça, indicando que é a esposa fiel, envolta pelo Espírito. Ela porta um traje azul, cor do céu, sinal da plenitude do amor de Deus que a escolheu para ser a Mãe do Salvador. Ela está numa posição de oração, com as mãos postas e com a cabeça levemente inclinada para a direita. O seu semblante é de muita ternura, serenidade e compaixão. Ela é a eterna intercessora para todos aqueles que foram lavados pela água do batismo e revigorados pela força do Espírito. É a Rainha dos Apóstolos porque não só os ensina a serem perseverantes na oração, como também os acalenta para poderem levar o Evangelho de seu Filho de maneira destemida. Desta forma é modelo de fé e de oração para todos os membros da União do Apostolado Católico.



Maria está com os olhos fechados, recordando o Espírito Santo que a envolveu com sua sombra na anunciação: “Eu sou a Serva do Senhor; faça-se em mim segundo a Tua Palavra!” (Lc, 1, 38). Assim como ela, as duas mulheres que estão ao seu lado, porém um pouco mais atrás, também têm seus olhos fechados. Elas representam as discípulas de Jesus e as santas mulheres que esperaram pela vinda do Messias, a saber: Sara, Rebeca, Raquel, Miriam, Débora, Ana, Judite e Ester que mantiveram viva a esperança da Salvação e hoje representam as mulheres que colaboram com o Apostolado Católico.
São João, o discípulo amado, aparece à direita de Maria e São Pedro à esquerda com as chaves depositadas no chão, ao seu lado, simbolizando o poder que recebeu de Cristo para conduzir o Seu rebanho. São duas chaves, uma de ouro e a outra de bronze. O ouro simboliza a realeza divina da qual o seu ministério representa, e o bronze é o poder recebido de Cristo para ligar e desligar. Está ligado diretamente à missão de reger a Igreja militante. Ele serve de ponte para ligar o céu e a terra: “Tudo o que ligares na terra, será ligado no céu e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 19).


As chaves colocadas ao chão, no momento da oração, significa que, diante de Deus, todo poder cessa. Quando Pedro reza com a Igreja, invocando o Espírito, reza como alguém que está com seu coração aberto à misericórdia divina, porque tudo é graça, é dom. Até mesmo o poder deve ser entendido como dom a ser disponibilizado a serviço de todos. Por isso, Pedro e João aparecem em destaque, porém num plano abaixo de Maria e dos outros apóstolos. Pedro representa a instituição e João a Igreja que se abre para amar e acolher Cristo. Ele, na Ceia foi quem estava com a cabeça reclinada sobre o peito do Senhor.
No cenáculo, só três personagens se destacam integralmente, com exceção do Espírito Santo; Maria ao centro, a Rainha dos Apóstolos; João e Pedro, na frente, ao lado de Maria. O destaque, destas três figuras, ilustra:


A importância de Maria, envolvida pelo Espírito Santo, como colaboradora no projeto salvífico de Deus; Ela é a Rainha dos Apóstolos porque com seu sim, com sua oração, colabora com o projeto de Deus; Ela é a imagem da Igreja unida que gera novos cristãos para serem apóstolos do Eterno Pai.
A importância da Igreja Institucional: a hierarquia e magistério, na figura de Pedro e João é representante da Igreja que acolhe a vontade do Senhor. Os demais membros desta figura aparecem muito juntos, quase que entrelaçados, de modo que não é possível vê-los por inteiro. Essa imagem expressa a unidade na diversidade, a comunhão na oração: “Todos permaneciam unânimes na oração com algumas mulheres, Maria, a mãe de Jesus, e seus Irmãos.” (At 1, 14).
Pedro, João e os demais Apóstolos estão ajoelhados, em oração. Todos têm um semblante sereno. Como na transfiguração, eles contemplam o poder e a ação de Deus no meio de seu povo. Embora, cada um, tenha suas características próprias, sejam provenientes de lugares e culturas diferentes, porém, no Cenáculo, comungam de um mesmo objetivo: contemplar o Espírito de Deus para anunciar em seu nome. Têm os olhos fixos na manifestação de Deus.
Maria e as duas mulheres permanecem em profundo recolhimento, com os olhos fechados, como que recordando o dia em que encontraram o túmulo vazio e receberam do Senhor a missão de comunicar aos apóstolos tal acontecimento. Conscientes da nova realidade, elas recordam de tal mistério, pela força do Espírito. Agora todos juntos abraçam a mesma causa: anunciar para todo o mundo a presença do Reino em nosso meio.
Os apóstolos têm os olhos abertos e elevados para contemplar a ação do Espírito que veio na forma de pomba. A sua presença santifica, aquece, ilumina, fortalece e unifica a Igreja e a Sociedade do Apostolado Católico para que todos possam imitar Cristo, o Apóstolo do Eterno Pai. Por isso dele sai uma grande luz que envolve todo o ambiente e solta raios luminosos como centelha da graça de Deus que irradia por toda parte. Essa força luminosa impulsiona a Igreja e faz com que nela se perpetue o milagre da Eucaristia, alimento e força para a caminhada de todos os batizados e daqueles que são convocados a trabalhar na obra do apostolado: sacerdotes, religiosos e leigos.
A imagem do cenáculo é apresentada atrás de um grande arco na forma de moldura, como se fosse uma ampla janela, amparada por duas colunas. Por esta janela é possível avistar, de longe, as pessoas envoltas por uma misteriosa luz. A janela é ampla e está aberta para que todos se sintam convidados a participar deste grande acontecimento, manifestado por Cristo, através do Espírito. O cenáculo é espaçoso e por isso tem lugar para todos. O cenáculo recorda, ainda, que só é possível testemunhar a força do ressuscitado se todos permanecerem unidos em oração e em comunhão uns com os outros.

Cenáculo: encontro de irmãos em torno da mesma missão (4)



A lição deixada pelo Cenáculo é que todos recebem o mesmo Espírito e cada um, conforme as suas habilidades, desenvolverá a sua missão. O trabalho missionário não se encerra quando as pessoas abraçam a fé. A fé é o ponto inicial de uma caminhada em comunidade. Motivados por um mesmo compromisso, o de anunciar Cristo ressuscitado, a Igreja cumpre a sua missão. É justamente aí que aparece Vicente Pallotti com uma nova proposta evangelizadora. Que cada um se sinta, pela força do batismo, um membro vivo e ativo no anúncio do evangelho. Não importa o trabalho que vai realizar, mas que tudo seja feito para a maior glória de Deus.
Pallotti se entusiasmou com a experiência do Cenáculo, porque percebeu que ainda hoje o Espírito continua a se manifestar nas comunidades enquanto permanece unida em torno de um objetivo comum.
A União do Apostolado Católico nada mais é que a continuação do espírito que norteou o Cenáculo. Lá havia não somente os apóstolos, mas muitos seguidores de Jesus. Lá eles se transformaram em uma verdadeira família. Naquela família de irmãos, cada um devia colocar seus dons à serviço de todos. Tudo era colocado em comum, não somente bens materiais, mas principalmente os bens espirituais, a generosidade, a humildade e a mansidão. A comunidade de irmãos é uma comunidade que acolhe a todos os batizados e os estimula para que possam também sentir a alegria de poder agir em nome de Cristo (Ef 3, 4-6).
A Igreja de irmãos não é elitista. Ela convoca a todos para que saiam do seu torpor espiritual e abracem a causa do reino com muito ardor e entusiasmo. O ambiente do Cenáculo proporcionou aos participantes a unidade e o encorajamento mútuo. Lá não era somente um lugar de oração, mas um lugar onde se partilhavam as experiências. Todos ouviam e meditavam a Palavra para descobrir os apelos de Deus feitos à humanidade. Lá eles puderam interpretar as Escrituras.
No Cenáculo, criou-se uma nova espiritualidade, a espiritualidade do amor, amor que transbordou em Pentecostes e que encorajou-os para assumirem a missão até as últimas conseqüências. Inicialmente estavam desligados do compromisso assumido na Ceia. Aquele jantar maravilhoso foi visto apenas como uma despedida do Mestre e que agora só ficou na lembrança e daqui para frente somente a dura batalha da vida para se reerguer novamente e encontrar uma nova razão para viver.
A morte de Cristo na cruz foi um verdadeiro desastre. Era difícil acreditar que aquele que dizia ser o Filho de Deus, aquele que fez prodígios grandiosos diante de muitos olhos curiosos, agora foi incapaz de deter os seus algozes. Os discípulos de Emaús expressam muito bem qual era o ânimo do grupo dos eleitos de Deus. Tinham apenas lamúrias e decepções: “aquele que disse que salvaria Israel, agora já é o terceiro dia que está no sepulcro”. Caminhar sem esperar nada em Cristo é caminhar na angústia e na desolação; mas, mesmo diante das dúvidas e incertezas, deixar que alguém os instrua pode ser sinal de uma nova esperança e de um novo rumo. Foi o que aconteceu com aqueles temerosos homens de Emaús que aceitaram a intervenção daquele viajante que falava das Escrituras. As suas palavras pareciam lanças afiadas que penetravam no âmago da alma, provocando até calafrios. Eles sentiam que se dissolviam as dúvidas de suas mentes e o torpor que os desanimava. Como foi bom ouvir aquele companheiro de estrada. Como ele estava bem informado, ainda que demonstrasse desconhecer o trágico episódio ocorrido em Jerusalém.
O caminho nunca foi tão curto até Emaús, porque as suas mentes viajavam pela história da salvação e quando menos esperavam já tinham chegado ao destino e se fazia noite. Solidários com o simpático forasteiro, convidaram-no para permanecer com eles na casa, sem ao menos ter olhado no seu rosto para descobrir quem ele era. Sua voz parecia conhecida e ele parecia falar com muita desenvoltura e firmeza, mas a dor e o sofrimento eram tantos que não tiveram a força para olhar mais profundamente ao redor e ver coisas novas pelo caminho. Aliás, naquele caminho não tinha nada de novo, sempre a mesma areia, as mesmas montanhas, algumas tamareiras esparsas, a mesma aridez. Só pôde ser reconhecido definitivamente quando, junto à mesa, partiu o pão e o distribuiu (Lc 24, 27-31).
São Paulo ao comentar sobre a eucaristia afirma que quem come do mesmo pão dado por Cristo não pode ser indiferente; mas antes de receberem o Espírito foi muito difícil entender isso (1Cor 11, 23-29). Somente a luz do Espírito pode clarear a mente dos discípulos.

Cenáculo: lugar da partilha e de novas descobertas (3)

O cenáculo pode ser visto também como o lugar do testemunho de quem viveu com Jesus. Ali a Igreja nasceu pela força do Espírito que os enviou em missão. Ali adquiriram uma fé mais lúcida e madura, fortemente marcada pelos ensinamentos do Filho de Deus. O clima era de oração e de busca de conhecimento da verdade revelada, pois neles, ainda, pairavam muitas dúvidas. Pedro não tinha nenhuma familiaridade com o cargo e procurava entender o que significava aquela expressão: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,17).
Certamente Maria, na sua humildade, simplicidade e serenidade, conduziu aquele momento de oração para que a comunidade não se dispersasse. O que será que eles discutiam naqueles dias? Como eles rezavam? Certamente foram dias de reviver a trajetória de Jesus aqui nesse mundo. Maria deve ter sido o centro das atenções porque ela tinha muitas coisas para informar aos líderes da Igreja que estava para ser confirmada. Certamente os apóstolos a ouviam com muita atenção os seus ensinamentos, a maneira como foi surpreendida na anunciação, a desconfiança de José, a fuga para o Egito, a perda e o encontro do menino no Templo, o início da sua vida pública e a dramática experiência aos pés da cruz. Maria deve ter narrado o quanto foi difícil para ela entender tudo aquilo. Porém as imagens continuavam vivas e inesquecíveis em sua mente. Ela conservava tudo em seu coração e esperava confiante na promessa do Filho, porque Deus já havia feito grandes coisas em seu favor (Lc 1, 49; 2,18-19).
Os apóstolos, agora, começaram também relembrar os bons momentos em que viveram juntos com Jesus. Foram três anos de grandes transformações em suas vidas. Os discípulos de Emaús recordaram novamente o episódio marcante da presença do ressuscitado com eles no caminho e o revelar-se ao partir o pão. Pedro, Tomé e os demais apóstolos agora ouvem as mulheres que presenciaram o túmulo vazio. Elas não cessavam de narrar o quanto ficaram tocadas com aquele acontecimento. Tomé também tomou a palavra e falou da sua experiência única com o ressuscitado. Todos esses fatos incendiavam os corações dos participantes e crescia neles a certeza de que não estavam aguardando em vão. Algo de surpreendente estava para acontecer.
Nos dias em que estiveram reunidos no Cenáculo, puderam reler as escrituras com um novo olhar. Até porque, no caminho de Emaús, o ressuscitado já havia iniciado um diálogo com eles. Enquanto falava, os seus corações ardiam e seus olhos se abriam para uma nova realidade. Esse tema deve ter provocado muito interesse para reinterpretar os fatos passados à luz dos novos acontecimentos. Todo o esforço deles foi coroado no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo, definitivamente mudou de rota a vida daqueles homens e mulheres. Ao saírem do Cenáculo não eram mais os mesmos. Seus rostos eram resplandecentes de alegria e de entusiasmo. A vibração deles contagiou a todos. O único desejo era de transformar o mundo com a nova Lei instaurada por Cristo: a lei do amor. Aliás, isso causou até espanto aos moradores da redondeza. Muitos tentaram dar uma razão para aquela alegria contagiante: “Estão todos embriagados” (At 2, 12-13).

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cenáculo: lugar da espera paciente e da realização da promessa (2)

O Cenáculo, além de ter sido um lugar de confraternização, foi também um local em que a Igreja teve o seu início pela ação do Espírito Santo. Até aquele momento, os apóstolos não estavam plenamente convencidos da missão que receberam de Cristo. A morte de Jesus provocou neles certa animosidade e desesperança. O desânimo era generalizado. Pedro e seus companheiros tentaram voltar à normalidade da vida, como acontece com as famílias diante da perda de um ente querido. Apesar da dor a vida tinha de continuar.
O evangelho relata que os apóstolos estavam fortemente propensos a retomar as atividades de outrora. Certo dia Pedro disse: “vou pescar e alguns dos discípulos disseram, nós também vamos contigo”. Naquele dia o lago de Tiberíades não estava para peixe. Eles nada pegaram naquela noite. Eis que ao amanhecer, na margem do lago, apareceu um homem misterioso que mandou jogar a rede do lado direito do barco e qual não foi a surpresa dos pescadores quando pegaram uma grande quantidade de peixes. Imediatamente após o milagre da pesca, João que tinha vivo em sua mente os últimos acontecimentos ao lado do Mestre, intuiu: “É o Senhor”! Ao ouvir isso, Pedro vestiu a túnica e se jogou na água e foi em direção à margem. Ao chegar à beira do lago, Jesus, mais uma vez os surpreendeu com pão e peixe assado e pediu que eles trouxessem o fruto do trabalho deles para colocar à disposição de todos. Ninguém ousava perguntar quem ele era (Jo 21,1-12).
O versículo 14 diz que essa era a terceira vez que Jesus se manifestava aos seus discípulos, depois da ressurreição. Mesmo diante das evidências ainda não tinham superado o trauma da separação. Tudo o que viam parecia ser um pesadelo difícil de ser compreendido. Mas Jesus não desistiu, continuou sua missão agora para convencer seus operários a assumirem com generosidade a messe do reino. Parecia que nada nesse mundo fosse capaz de mudar a mente e o coração dos discípulos. O ceticismo era generalizado. Jesus se manifestou inúmeras vezes para que a comunidade se convencesse da nova realidade.
Aos poucos foram percebendo que a observância do sábado já não tinha mais sentido. O domingo passou a ser o dia em que os que acreditavam no Cristo se reuniam para meditar a palavra e participar da Ceia do Senhor que continuava vivo no meio deles.
O primeiro capítulo dos Atos dos Apóstolos afirma que após a paixão, Jesus mostrou-se vivo, com numerosas provas. Apareceu-lhes por um período de quarenta dias, falando do Reino de Deus. Ao tomar a refeição com eles, deu-lhes essa ordem: não vos afasteis de Jerusalém, mas esperai a realização da promessa do Pai da qual me ouviste falar, quando eu disse: João batizou com água; vós, porém, dentro de poucos dias sereis batizados com o Espírito Santo (At 1,3-5).
Na ascensão, Jesus conversou com eles e lhes deu as últimas orientações, mas não respondeu as indagações deles acerca do fim do mundo. Deixou-lhes, apenas, a certeza de que será enviado o Espírito Santo para que os discípulos pudessem dar testemunho dele em Jerusalém e até os confins da terra (At 1, 6-8).
Mesmo diante de tão grande acontecimento, os apóstolos continuavam com a mente obtusa e com os olhos ofuscados, tanto que apareceram dois anjos no céu que pediram para não ficarem somente contemplando o céu, mas que olhassem para a própria realidade com a plena convicção de que aquele que subiu ao céu virá do mesmo modo como viram partir para o céu (At 1, 10-11). Ainda com muitas dúvidas, retornaram para Jerusalém e ficaram na mesma sala que tinham costume de ficar, e ali se colocaram em oração, na companhia de Maria, de algumas mulheres e com alguns parentes de Jesus, para aguardar a promessa do ressuscitado (At 1, 14).
O grupo dos que se reuniram para aguardar o Espírito Santo era em torno de cento e vinte pessoas. No meio deles, Pedro toma a palavra e exorta a todos para que fosse eleito, em lugar de Judas, um daqueles que seguiu Jesus desde o batismo de João até o momento de sua despedida, para que junto com eles pudesse dar testemunho da ressurreição. Após rezarem tiraram a sorte para ver quem Deus iria escolher. A sorte caiu em Matias (At 1, 15-26).
Finalmente chegou o dia de Pentecostes e o Espírito Santo se manifestou sobre eles, enquanto estavam reunidos em oração. Lucas referindo-se à primeira criação em que Deus sopra e dá o hálito da vida, lembra que na segunda criação, ou seja, a obra da redenção, Deus soprou sobre eles o vento do Espírito para criar os novos homens. Como o Espírito fora destinado somente aos discípulos, então foi sentido apenas na casa em que estavam reunidos (At 2,1-11).

O que é o Cenáculo? (1)

Reflexão sobre o significado do Cenáculo na Igreja dos primeiros cristãos e para o carisma palotino.

Para que possamos viver o espírito do Cenáculo, proposto por nosso santo fundador Vicente Pallotti, é preciso entender o que isso significou, no passado, para os apóstolos e para a Igreja primitiva, e como podemos experimentá-lo no presente.
Primeiramente a palavra Cenáculo significa: sala da ceia, ou da refeição.
Jesus enviou Pedro e João, dizendo: Ide e preparai-nos a ceia da Páscoa. Perguntaram-lhe eles: Onde queres que a preparemos? Ele respondeu: Ao entrardes na cidade, encontrareis um homem carregando uma bilha de água; segui-o até a casa em que ele entrar, e direis ao dono da casa: O Mestre pergunta-te: Onde está a sala em que comerei a Páscoa com os meus discípulos? Ele vos mostrará no andar superior uma grande sala mobiliada, e ali fazei os preparativos. Foram, pois, e acharam tudo como Jesus lhes dissera; e prepararam a Páscoa (Lc 22, 8-13).
A ceia preparada pelos enviados de Cristo foi tão marcante que nunca mais saiu da memória dos participantes, mesmo que muitas coisas, de imediato, não tivessem sido compreendidas. O jantar poderia ter sido igual a tantos outros que aconteciam por ocasião da Páscoa, mas aquele foi muito especial. Jesus tinha percebido que a sua hora tinha chegado e por isso, com muita tranqüilidade, pediu que aquela Páscoa fosse bem preparada, para que ficasse gravada na mente de todos ao longo dos séculos.
Jesus escolheu um lugar espaçoso e acolhedor, longe dos olhares curiosos, para que pudesse se alegrar com seus amigos antes de partir definitivamente deste mundo. Junto aos seus discípulos deu suas últimas instruções. Ele não só jantou com eles, mas fez algo que até então ninguém havia feito antes. Ele tomou o pão e abençoou e disse palavras misteriosas que, à primeira vista, não foram compreensivas: “isto é o meu corpo dado por vós”. Tomou o cálice com vinho, repetiu a benção e disse: “isso é meu sangue derramado por vós. Fazei isto em minha memória” (Mt 26,26-28). Na verdade, o que ficou naquele momento na mente dos discípulos foi apenas uma indagação. O que é realmente isso? O gesto de Jesus só foi compreendido integralmente após sua ressurreição.
Tudo foi muito rápido e sem explicação. Aliás, eles estavam pasmos diante das palavras misteriosas do Mestre. Diante de tamanha novidade, não conseguiram nem mesmo elaborar uma pergunta sequer, porque Jesus sempre os surpreendia com alguma novidade. Eles estavam tão atônitos que nem conseguiam perguntar quem seria o traidor. Acotovelavam-se para que alguém perguntasse quem deles o iria trair. Sobrou para João fazer a pergunta, pois era notória a sua proximidade com o Mestre, e perguntou quem poderia ser (Jo 13,20-26). A resposta deixou-os ainda mais confusos, porque Jesus disse: aquele a quem eu der o pão embebido. Em seguida, molhou o pão e deu-o a Judas. Naquele momento já não havia mais espaço para a lucidez, pois não haviam compreendido nada.
Após a Ceia, Jesus foi ao monte das Oliveiras para rezar e levou consigo alguns dos discípulos (Mt 26,37). Mas naquela noite era difícil ficar concentrado para rezar. Uma voz parecia tomar conta da emoção daqueles que seriam os continuadores da obra iniciada pelo salvador. As palavras da Ceia latejavam em suas mentes e acabaram dormindo. Por várias vezes Jesus voltou de onde estava em oração e os convidou para rezar com ele. Jesus procurou estimulá-los para que pudessem sair daquele torpor, daquela letargia e animosidade. Mas foi em vão. A cabeça estava muito pesada (v. 41-46). A apreensão invadiu de tal maneira o coração deles que não reagiam. Isso prova que a angústia era tamanha que não conseguiam mais pensar em nada. Houve um bloqueio emocional e se desligaram das coisas mais elementares da vida. Só tinham dentro de si pensamentos neurotizantes. O pavor tomou conta das suas mentes. Isso foi até quando apareceu Judas ladeado por soldados fortemente armados para capturar o inimigo da nação. Judas se aproximou daquele com quem há poucas horas tinha feito refeição e desferiu um beijo em seu rosto (v. 47-48.55). Daquele momento em diante o pavor tomou conta dos amigos de Jesus. Cada um foi para um lado (Mc 14, 50). As indagações provenientes da Ceia agora começam a tomar novos contornos. Eles perceberam que tudo estava se aproximando do fim e restou apenas a desolação e os questionamentos. Como será daqui para frente?
Daquele momento em diante, os amigos de Jesus se dispersaram, um deles saiu nu correndo pela escuridão em meio aos olivais salvando-se daquele fatídico acontecimento (v. 51-52). Jesus foi preso e passou por muitas humilhações. Foi levado até às autoridades, foi zombado, interrogado noite adentro, maltratado. Há algumas horas estava rodeado de amigos, agora enfrenta a solidão, a dor e o desprezo. Pedro tentou acompanhar de longe o desfecho, mas como também estava muito atordoado com a situação, não agüentou, diante da pergunta de uma serva, não titubeou, negou ser amigo de Jesus (v. 54.66-70). A sua mente estava bloqueada, os seus sentimentos arrasados, a sua esperança amordaçada. Sobrou apenas tristeza e desolação. A derrota tomava conta do seu interior. Após negar Jesus o galo cantou e um zumbido em seu ouvido, tão rápido como um raio, despertou sua consciência ferida e se recordou das palavras do Mestre: “Tu me negarás três vezes, antes que o galo cante”. Pedro chorou amargamente por se sentir incapaz de ser fiel e por não ter tido a força suficiente para retomar o caminho (v. 72). Jesus saiu da sala do interrogatório e olhou firmemente nos olhos de Pedro. Ele estava abatido, emocionalmente encarcerado, algemado, simplesmente incapaz de ser ele mesmo. Estava irreconhecível. Só lhe restou o pranto.