terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Quaresma, tempo de mudar velhos costumes.

PENITÊNCIA INTERIOR

A penitência interior é a disposição fundamental do cristão, para vencer o pecado e obter o perdão de Deus.
A primeira coisa a fazer é confessar nossa pecaminosidade: sem desculpas, sem reivindicações e sem autocomplacência.
É preciso confessar nossa incompetência para livrar-nos da pecaminosidade, para criarmos em nós a necessidade de estarmos sob a luz do poder salvífico de Deus em Jesus Cristo.
O cristão deve fazer a experiência da infelicidade, para poder abrir-se Àquele que é e que pode dar a verdadeira felicidade. “Deus derruba os orgulhosos de seus tronos e eleva os humildes”.
Quem me libertará desse corpo mortal?
Quem já não fez a experiência da maldade interior? Quanta coisa ruim passa pela nossa mente? Quanto desejo de vingar aqueles que nos fizeram o mal? Diante dessa triste realidade humana, queremos aproximar-nos de Jesus, sem nenhuma confiança em nós mesmos, para que a graça de Deus transforme nossos velhos hábitos de viver mergulhado no pecado.
Jesus veio para estar com os pecadores e não para os justos. Ele deseja que o ímpio retome o caminho do bem.
Se nos consideramos bons e justos, então ele não veio para nós. “Eu me alegro das minhas fraquezas, porque quando sou fraco, daí que sou forte” (2Cor 12,7-10).
Precisamos estar alertas para que não sejamos hipócritas e que assim não permaneçamos cegos e duros de coração. O filho pródigo só reivindicou direitos (Lc 15,11-32); A esmola e o jejum que agradam a Deus (Mt 6,1-6.16-18).
Em nossos tempos, é muito difícil alcançarmos o sentido de nossa impotência e nossa necessidade de Jesus, pois o pecado pode ser justificado. Para que legitimemos nossas más ações.

O sentido do pecado

Nós não damos muito valor aos nossos pecados. Aliás, o próprio Santo Antão diz que não devemos viver em função do nosso pecado, mas da graça de Deus. O que passou, passou.
Jesus dá muita importância para esta questão. (Heb 12,1b-2 – “Deixemos de lado o que nos pesa e o pecado que nos envolve”; Rom 8,18-21 – “A criação ficou sujeita à vaidade”).
Para ele o perdão dos pecados é muito mais importante do que a saúde física e os bens materiais. Em (Mt 9) cura o paralítico para mostrar a seus adversários que lhe deu uma graça muito mais preciosa, o perdão dos pecados.
Nós, talvez, somos menos sensíveis do que as pessoas do tempo de Jesus. O perdão dos pecados não ocupa os primeiros lugares da lista de primeiras necessidades. É por isso que temos maior necessidade do dom da penitência interior.

O significado da penitência interior

Não é só contrição pelo pecado. Ela é um dos aspectos, mas de modo algum a mais importante.
A palavra grega metanoia indica mudança total de ânimo e de propósito. Penitência interior é a reorientação radical de toda vida, um retorno, uma conversão para Deus de todo nosso coração, uma ruptura com o pecado, aversão ao mal e repugnância às más obras. É desejo e resolução de mudar de vida com esperança na misericórdia divina e a confiança da ajuda de sua graça. (Dt 7,6b.8-9 – “Deus perdoa até a milésima geração”).
Pode-se descrever a penitência como um amar Deus de todo o coração, com toda a alma e com toda a força, com toda inteligência, e o próximo como a si mesmo (Lc 10,27).
Posso chorar lágrimas amargas por meus pecados e dizer a Deus que estou profundamente triste por eles e deles peço perdão. Mesmo assim, isso não me dá o dom da penitência. Talvez esteja longe de querer abandonar todos os apegos desregrados, amar Deus com todo meu ser e levar a vida radicalmente nova com atitudes radicalmente novas que isso infere.
Esta penitência interior vem acompanhada de uma dor e tristeza salutares, chamada de animi cruciatus (aflição do espírito) e compunctio cordis (arrependimento do coração). Outra característica da penitência interior é a alegria e a paz.
Quando falamos de penitência no retiro, as pessoas sempre se preparam com uma porção de sentimentos negativos: sentimentos de culpa e rancor contra si mesmo e até tristeza e desânimo. Mas quem confunde contrição pelo pecado com tristeza não sentiu contrição pelo pecado que vem do Espírito Santo, não é dor salutar.
Estranho paradoxo: lágrimas de contrição (que são dom do Espírito Santo) por termos ofendido a Deus, coexistindo com sentimentos de alegria por tê-lo encontrado de novo, por ele ainda nos amar, por nossos pecados terem sido perdoados. “Haverá festa no céu por um só pecador que se converta...”
Jesus sempre liga o arrependimento e a penitência a sentimentos de profunda alegria. Com muita ternura, ele nos relata como é o Pai quem se alegra quando o filho cabeçudo volta para casa, o pastor que se alegra quando encontra a ovelha perdida, os anjos de Deus que se regozijam quando um pecador se arrepende. Quanta alegria o pecador dá a Deus quando ele retorna.
Quando não há desejo pela penitência interior e sim por atos formais, nos identificamos e muito com a atitude do jovem rico. Ficamos tristes e abandonamos tudo, pois preferimos ficar somente com os bens e com aquilo que conseguimos conquistar (Mc 10, 17-27).
Se, porventura, em seu interior tiver passando algum tipo de desânimo e tristeza, peço que faça um exercício de pedir os sentimentos opostos: alegria porque vão ser abraçados mais uma vez pelo Pai.
Não há melhor maneira de pedir o dom da penitência do que repetindo: "meu Deus, eu vos amo verdadeiramente e quero vos amar com todo coração, mente e com todas as minhas forças". Lembremo-nos do Shemá Israel (Dt 6,4-7): “Ouve, Israel, o Senhor teu Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças”.

O arrependimento segue-se ao encontro com Cristo

Pelo que foi dito até agora parece que a penitência é um meio para encontrar Cristo. Isso só é verdade em parte. Em geral, o encontro com Cristo precede a graça da penitência. Sem dúvida, há algum arrependimento inicial que nos ajuda a experimentar Cristo mais profundamente, mas é só depois da experiência que recebemos a graça da penitência em toda sua plenitude. É depois de encontrá-lo que entendemos o que é o pecado e o que é o amor. Não é o pecador, mas o Santo que sabe o que é o pecado, porque o santo recebeu a luz de Deus. Conhecemos nosso pecado por uma revelação de Deus e não por uma análise de introspecção. (Após a negação, Pedro chorou amargamente).
As Escrituras nos dão muitos exemplos. Quando perseguia a Igreja, Saulo julgava estar prestando um serviço a Deus. Considerava-se o mais perfeito, o mais zeloso, o mais fervoroso de todos os judeus. Só percebe o seu pecado depois do encontro com o ressuscitado. Aí se considera inferior a todos os apóstolos, nem mesmo é digno de ser assim chamado porque é como um aborto e porque perseguiu a Igreja. O mesmo acontece com Pedro depois da pesca milagrosa quando exclama: "Afasta-te de mim, Senhor, porque seu um pecador!". Zaqueu promete mudar de vida, depois que o Senhor entra na sua casa.
Como podemos nos arrepender por ofender o Senhor, sem primeiro amá-lo? E como o amaremos sem primeiro entrar em contato com ele e ter experiência dele? A meditação sobre o pecado e a penitência não é só dos principiantes na vida espiritual, mas também dos grandes santos, os homens que progrediram bastante em santidade. Assim vemos nos escritos de Pallotti. É desconcertante quando vemos como ele se vê a si mesmo. Parece que nele há um sentimento de inferioridade não resolvido devido a tantas expressões de humilhação de si mesmo. Pallotti só é ininteligível para aquele que ainda não percebeu o que significa amar Deus e ser por ele amado.
Não devemos ficar desanimados se não conseguirmos a graça da penitência imediatamente. É provável que o Senhor a esteja guardando para que a recebam no fim, quando seu amor por ele tiver se aprofundado de maneira notável. Imitar servilmente um santo não nos leva a fazer progressos; pode ser prejudicial.
O importante, agora, é desejar a graça de amar Deus com ardor e com todo coração.
É importante também não tentar criar a graça da penitência interior. Basta pedir. Pedir com perseverança sem desanimar. “Pedi e recebereis, batei e a porta ser-vos-á aberta”.
É importante lembrar que Cristo se interessa por nós sempre. (Lc 22,31ss) “Pedro eu rezei por ti”. “A ti basta a minha graça” (2Cor 12, 9).

A recusa de perdoar a si mesmo
Deus está disposto a nos perdoar. Ele está mais ansioso para conceder o perdão do que nós de recebê-lo.
O problema do perdão, portanto, não é Deus, mas está conosco. Esquecemo-nos muito facilmente de crer que Deus deseja nosso perdão. Recusamo-nos a perdoar a nós mesmos. Ficamos pensando em como fomos miseráveis, desejamos nunca ter cometido pecado para ficar com a "ficha limpa".
Fomentamos um falso senso de desmerecimento: a atitude de quem quer fazer penitências para expiar por completo o passado antes de aceitar a graça de Deus. É um grande obstáculo para o progresso na vida espiritual. Maior até do que o próprio pecado. Quando há penitência interior o pecado em vez de ser empecilho, é uma grande ajuda. Mas este falso senso de desmerecimento impossibilita qualquer progresso espiritual.
Sobre o pecado, a graça de Deus triunfa com facilidade, mas contra esta recusa de se perdoar, só com muita dificuldade. “Onde grande foi o pecado, muito maior a graça”, diz São Paulo. “Ó pecado de Adão, sem dúvida necessário”, rezamos no precônio Pascal.
Para Jesus, embora o pecado seja o maior mal concebível, ser pecador é um merecimento. Devemos odiar o pecado e lutar contra ele. Mas se pecarmos e nos arrependermos, então teremos razão para exultar, fazer festa, porque “há maior júbilo no céu por causa de um pecador que se arrependa do que por noventa e nove justos que não tenham necessidade de se arrepender”.
Quem entende esta loucura? Lidamos com um mistério além da compreensão humana. O pecador arrependido atrai Deus para si. Deus não o considera repulsivo, mas irresistível. Essa é a boa nova.

Textos para reflexão:

Dt 6,4-7 – Ouve Israel o Senhor seu Deus.
Baruc 1,15-22 – A nós a vergonha no rosto por causa dos nossos pecados.
Lev 11,45 – Sejam santos porque eu sou santo.
Lc 22,31ss – Cristo reza para Pedro.
Mc 10,17-27 – O jovem rico.
Lc 7 – A mulher de Magdala. Notar a ênfase que Jesus dá ao amor e ao perdão.
Lc 15 – Parábolas da Misericórdia divina. Prestar atenção na alegria e na bondade de Deus.
Lc 19 – Jesus e Zaqueu.
Jo 21 – Do amor por Cristo ao Primado de Pedro.
Joel 2,12-18 – Voltai ao Senhor Deus, porque ele é bom e compassivo.
Is 58,1-12 – O jejum que agrada a Deus.