quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sem o espírito de Pallotti a União não sobreviverá

(Trecho da homilia que o Padre Geral proferiu aos membros da Família Palotina durante a Santa Missa de abertura da 3ª Assembléia Geral Ordinária da União do Apostolado Católico, realizada no dia 14 de janeiro de 2012, em Grottaferrata – Roma. O Padre Geral iniciou sua homilia falando da vocação de Levi, o publicano, seguindo a liturgia do dia. O Texto foi extraído do Periódico bimestral da Província Italiana da Sociedade do Apostolado Católico, Anno XC – n. 2 Marzo/aprile 2012, pp. 14-15 – tradução: Pe. Elmar Neri Rubira, SAC – Casa Geral – Roma).


[...] O ponto de partida de nossa nova viagem deve ser a gratidão a Deus por aquilo que conseguimos realizar no que diz respeito à União [...], todavia, o trabalho não está ainda concluído. Andando pelo mundo, tenho a impressão que Pallotti, apesar de sua grandeza, permanece ainda “um tesouro a ser descoberto” na Igreja e também em nosso mundo Palotino.  Às vezes tenho a impressão que somos demasiadamente centrados em “Roma ou na Itália e fazemos os nossos juízos sobre outras partes do mundo partindo daquilo que sentimos e vemos neste país. É verdade que a Itália, e Roma em particular, desenvolvem um papel especial, porque não se pode entender o espírito de Pallotti sem compreender a cultura italiana, porém o carisma palotino é suficientemente universal em sua essência e deveria integrar-se nas diversas culturas através de uma realização eficaz.

As experiências mostram também que não é possível entender a União sem conhecer e experimentar a espiritualidade de São Vicente Pallotti. Colocando a União ou mais especificamente o Estatuto Geral na União antes da pessoa e do espírito de São Vicente Pallotti, seria como colocar o carro diante dos bois. Em todos os nossos cursos de formação aqui em Roma, cada vez que foi explicada a espiritualidade de São Vicente Pallotti, todos ficaram entusiasmados e atraídos por ela. Mas as discussões sobre a UAC sem a conexão com São Vicente Pallotti e a sua espiritualidade conduziram freqüentemente a bloqueios mentais e a resistências. Talvez seja o momento de apresentar a União de uma maneira nova.

Em repropor a UAC, quero levar em consideração três pontos que acredito serem muito significativos.

O primeiro ponto é que devemos concentrar-nos na espiritualidade de São Vicente Pallotti. É necessário estar mais atentos à dimensão mística e contemplativa da espiritualidade de Pallotti. Aquilo que o mundo tem maior necessidade hoje é de uma genuína experiência de Deus e o elemento principal e mais importante na espiritualidade palotina é a experiência do amor e da misericórdia infinita de Deus. No coração do homem de hoje existe uma espécie de sede mística. Podemos nos perguntar: “Nós procuramos Deus em tudo e sempre” como fazia São Vicente Pallotti? Deus é verdadeiramente o centro da nossa vida e de nossas atividades? Até que ponto destacamos a procura do divino em nossos grupos da União? Na realidade, temos necessidade dos “Santos Retiros” o dos “Cenáculos”, como insistia São Vicente. Como palotinos, temos necessidade de nos tornar sempre mais contemplativos e místicos em nossa procura de Deus.

O segundo ponto é que temos necessidade de modelos de formação mais interessantes e eficazes para a União. De fato, o Cenáculo fornece o melhor modelo para a formação na União. A presença do Espírito Santo como principal agente de transformação, a presença constante de Maria, Rainha dos Apóstolos, a partilha da Palavra e do pão no contexto de uma comunidade de fé, a transformação interna de simples pessoas em discípulos de Jesus, a pregação em todo o mundo da Boa Nova etc..., são elementos de formação eficazes para a União. É necessário recordar que as pessoas que fazem o empenho apostólico na União, não tem necessidade apenas de dois ou três anos de formação inicial, mas também de formação permanente com a finalidade de garantir que o zelo apostólico se renove constantemente [...].

Um terceiro ponto a ser considerado é a nossa vocação missionária e o empenho dos membros da União. Os apóstolos não permaneceram fechados no Cenáculo, mas saíram para partilhar a experiência de Deus com os demais. Ao mesmo tempo, os membros da União devem empenhar-se em atividades missionárias para fazer da União um instrumento eficaz ao serviço da Igreja. A União não deve ser apenas um grupo de auto-ajuda e auto-suficiência sem os esforços missionários. Se isso acontece, certamente a União morrerá [...] É o espírito missionário que mantém a Igreja dinâmica. A UAC é uma força apostólica na Igreja e no mundo e, então, deverá empenhar-se em obras espirituais e em ações caritativas de amor e de misericórdia. Cada grupo da União tem necessidade de ver o que poderá ser feito no próprio contexto, sempre no espírito do Apostolado Católico. Se a caridade não se traduz em ações concretas a serviço de Deus e dos seres humanos, não é verdadeira caridade, porque a caridade em sua essência significa “doar-se”.

Em resumo, são pelo menos três os desafios diante de nós hoje: fazer com que a União seja realmente fundada na verdadeira experiência de Deus através da contemplação e da vida mística; desenvolver modelos eficazes de formação apostólica dos membros da União, sempre no espírito do Cenáculo e envolver-se concretamente em atividades apostólicas como caminho para experimentar e exprimir o amor de Deus e a sua misericórdia para partilhar a mensagem de salvação com os outros seres humanos [...].

Na realidade, este é um momento oportuno para os Palotinos de oferecer o próprio carisma à Igreja Universal como uma resposta adequada as exigências dos tempos atuais. Por “Nova Evangelização” se entendem renovados esforços da Igreja para enfrentar os desafios que a sociedade e as culturas de hoje propõem à fé cristã. Neste novo projeto para revitalizar a fé, a Igreja faz da Pessoa de Jesus Cristo e do encontro pessoal com Ele o centro do seu pensamento, sabendo que Ele concederá o seu Espírito e a força para anunciar e proclamar o Evangelho de maneira nova e de modo que possa falar à sociedade de hoje [...].

O carisma permanece vivo e relevante somente quando dá uma resposta adequada aos sinais dos tempos. Caso contrário, permanece estagnado ou acabará por morrer. A União do Apostolado Católico é um dom de Deus, através de São Vicente Pallotti para a Igreja Universal. Hoje somos nós a mostrar a Igreja que temos verdadeiramente um tesouro conosco para relançar e renovar a fé católica e o espírito apostólico na Igreja [...].

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Aspectos antropológicos de São Vicente Pallotti

Este texto foi enviado de Roma pelo Pe. Elmar Neri Rubira, SAC. Ele é colaborador deste blog e agora nos presenteia com um artigo sobre a visão antropológica de Pallotti. Este é apenas um ensaio sobre a sua tese de mestrado em antropologia teológica, na Faculdade de Teologia Teresianum - Roma. Ao Pe. Elmar nosso agradecimento e conte com o nossa oração e  apoio, para que tenha sucesso nesta pesquisa e que será de grande valia a todos nós que participamos do carisma de S. Vicente Pallotti.

Refletir sobre a visão antropológica de São Vicente Pallotti num período de grandes perturbações sociais, desrespeito à vida humana, crise entre o poder temporal e a estrutura eclesial, é algo que exige muita atenção e disposição, especialmente por saber que, embora, São Vicente Pallotti tenha deixado aos palotinos uma herança de mais dez mil páginas escritas de próprio punho, que foram organizadas e reunidas depois de sua morte, em treze volumes, intitulados de “Obras Completas”, não encontramos nenhum tratado sistemático a respeito do ser humano.

Seus escritos não visavam à publicação nem mesmo a divulgação entre as pessoas, trata-se de textos teológicos, espirituais e de ajuda ao próximo, que revelam muitas vezes traços de sua personalidade e de seu estilo de vida. Podemos afirmar que seus escritos revelam sua profunda intimidade com Deus, sua abertura a realidade e seu grande desejo em ser transformado em instrumento de Deus a cooperar para salvação do próximo. Ele expressa, através de seus escritos, seus mais sinceros sentimentos, o reflexo de sua alma. Uma anaálise superficial daquilo que se lê em seus escritos, poderia levar a uma conclusão de que ele vivia em um mundo irreal, com uma visão pessimista do ser humano, perdido em meios a suas fantasias e distante da realidade humana que o circundava. Mas è justamente o contrário! Ele descobriu, através de um dom gratuito, a beleza da criação, fruto do amor misericordioso do Criador e por isso, conseguiu superar as dificuldades e limitações humanas. Percebemos, claramente, em alguns de seus escritos a visão que possui a respeito do ser humano, neste sentido, ele entende o ser humano como um prodígio da misericórdia de Deus, no qual Deus por meio de seu Filho se dignou restaurar o que no homem tinha sido corrompido. Em sua experiência a compaixão de Deus pela miséria humana é o motivo dominante de toda a obra da salvação.

Para exprimir quem é o ser humano, São Vicente Pallotti faz a seguinte interrogação: “Deus meu, quem sois Vós, e quem sou eu diante de Vós? Dessa maneira, para conhecermos a antropologia de São Vicente Pallotti se faz necessário saber qual a concepção que o santo tinha de si mesmo, pois dela decorre a sua visão antropológica.

São Vicente Pallotti possui uma grande capacidade de escutar, e esta capacidade lhe proporcionou um íntimo relacionamento com o Senhor. O exemplo de Pallotti nos desperta para um retorno a protologia, quando nas origens o ser humano mantinha um diálogo, um relacionamento íntimo com o Criador. Neste aspecto observamos a sua preocupação em aproveitar cada momento para estar sempre com Deus. Para ele, o tempo era sempre “kairós”, tempo favorável para a conversão e mudança de vida, crescimento na santidade.

Pallotti possuía uma concepção pessoal de que é um ser humano extremamente limitado e pecador, mas com relação aos outros tinha uma expressão de compaixão e amor extraordinários, assim se expressava em relação aos necessitados: “queria ser veste para os nus, alimentos para os famintos, água para os sedentos...” não se trata apenas de sentimentos de compaixão, mas de ações concretas em favor da pessoa que sofre, seja sofrimento espiritual ou material. Pallotti sente, em si mesmo, a decadência humana pecadora, mas reconhece no outro a imagem e semelhança de Deus, e por isso está sempre atento para colocar-se a serviço do próximo. Neste sentido o encontramos inserido nos mais diversos projetos sociais de sua época, voltados a atender as necessidades não somente espirituais, mas especialmente físicas das pessoas.

São Vicente Pallotti era convicto que como Deus é amor por essência merece ser amado sobre todas as coisas. Para ele o próximo é “qualquer um que seja capaz de conhecer, servir, amar e possuir Deus”. Portando, seja nosso inimigo, ou amigo, católico ou herético, pagão ou incrédulo, cristão ou judeu, de qualquer nação, é nosso próximo, devemos amá-lo como nós mesmos, por Amor a Deus. Amar para Pallotti é fazer todo o possível para que o outro seja salvo. É inconcebível, segundo ele, ver alguém correndo o grave risco de perder a própria salvação e não fazer nada para ajudá-lo. “Sinto-me chamado por Deus a ser santo e devo ajudar outras pessoas a fazerem o mesmo caminho”.

O primeiro chamado de Deus é o chamado a existência, a sermos imagem e semelhança do Criador, com o sacramento do batismo esse chamado é reforçado. Para Pallotti, a abertura a Deus exige da pessoa estar disposta a acompanhar e interessar-se pelos outros. A tendência natural de cooperar com Deus é comum em todos os seres humanos, e não somente limitado aos cristãos, por isso o pedido tão insistente de Jesus em amar a Deus e ao próximo como a si mesmo. A pessoa humana é chamada a participar da vida da Trindade que é caracterizada pela comunhão entre os membros e de um amor recíproco perfeito. A Santíssima Trindade, por sua vez, é o perfeito modelo de amor e cooperação. Na compreensão de São Vicente Pallotti, quando o homem coopera na salvação das almas, está sendo aperfeiçoado nele a imagem da beatíssima Trindade.

A crise provocada pelo pecado não afastou o Criador de sua criatura. Na História da Salvação, o próprio Criador intervém de diversas maneiras para manifestar sua presença Salvadora entre seu Povo Eleito, revelando-se um Deus Misericordioso e Presente, um Deus conosco. A partir da experiência do Amor Infinito e Misericordioso de Deus, São Vicente Pallotti deseja transformar-se em instrumento da Divina Misericórdia para cooperar na salvação das almas. Consciente da realidade humana, imersa no pecado, ele se apóia justamente neste aspecto negativo existente, para justificar a necessidade de reacender a fé e reavivar a caridade nesta mesma humanidade que procura constantemente a transcendência divina. O senso de miséria é verdadeiro e real em si mesmo. São Vicente Pallotti adquiriu uma profunda autoconsciência de si mesmo e o reconhecimento de sua realidade de miséria o impulsiona a propagar a fé e reacender a caridade.

Para São Vicente Pallotti, cooperar com Deus para realizar a própria salvação e para contribuir para a salvação dos outros é uma obrigação, e é o mais precioso de todos os dons de Deus à humanidade. Quando o homem exercita este dom, o homem realiza as obras, como realiza e opera o próprio Deus e assim torna-se semelhante a Deus. Para ele este é um privilégio grandioso, ser um cooperador, um colaborador de Deus, na sua própria ação divina.

Nas suas reflexões ele afirma que na abertura do ser humano a Deus, à obra de seu amor que se revelam na misericórdia e na graça, urgem e o impelem a acompanhar outras pessoas à mesma descoberta. Assim o homem avança na santidade, salva a si mesmo, ajuda os outros em suas necessidades materiais e espirituais e participa do apostolado, que é o agir continuo de Cristo sobre a terra, e participando do Apostolado torna-se um apóstolo.