DEUS
E HOMEM EM SÃO VICENTE PALLOTTI - PARTE II
Fr.
João Vitor de Paula, SAC
São Vicente Pallotti,
sacerdote romano, apóstolo e místico, sempre foi incansável em sua missão junto
ao clero de Roma. Reconhecendo suas limitações e pecados, buscou compreender a
relação de Deus com o homem enquanto ser pecador, sendo que para responder a
esse questionamento é preciso, antes de tudo, entendermos o conceito de Homo
Viator que Pallotti utiliza em seus escritos.
Todo cristão é convidado
a ser um peregrino que busca algo a mais, consciente de que a presença divina o
impulsiona a caminhar e a testemunhar. Eis, então, um dos conceitos que
Pallotti nos apresenta para o Homo Viator: “se deslocar, se descentrar
dele mesmo para se centrar no essencial, ou seja, na glória de Deus e na
salvação das almas”[1].
É obrigação de todo homem a cooperação com Deus para a salvação do próximo, em
que esta é um dos dons mais preciosos que temos.
Outro conceito que
Pallotti nos apresenta para Homo Viator é do homem que reconhece a sua
própria miséria e a do próximo. Esta miséria é algo próprio do ser humano, que
busca em seus vazios preencher o que lhe falta. Esta miséria é indefinível,
pois a ela estão ligados os nossos pecados. Por isso, São Vicente Pallotti se
abre para a novidade, buscando sempre reconhecer tais misérias e, por meio de
penitências, encontrar um caminho de mudança e conversão, voltando à dignidade
humana de ser imagem e semelhança de Deus.
Assim, Pallotti vai
descobrindo que não é somente o homem que vai ao encontro de Deus, como um
peregrino, mas que também Deus se torna esse peregrino que vai ao encontro do
homem. “O homem peregrino é acompanhado pelo “Deus peregrino”. [...] deve se
deixar visitar e transformar interiormente por Deus "infinitamente
comunicável', que vem ao seu encontro”[2].
Destarte, podemos então
na relação de Deus e o homem em São Vicente Pallotti, a partir de tal conceito
de Homo Viator, quem é então Deus para o homem? Pallotti vem então
responder que Deus é tudo, “Vós sois o meu bem eterno. Vós, o meu tudo[3]. Este é o primeiro
conceito dado a Deus por São Vicente Pallotti que podemos encontrar, pois para
Pallotti, era muito difícil nomear, conceituar Deus, com isso o santo romano
atribui a Deus adjetivos como tudo, infinito, meu princípio, meu fim último,
dentre outros[4].
Dentre tais adjetivos os
mais aparentes nos escritos de Pallotti são Deus Amor e Misericórdia infinitos.
Para São Vicente Pallotti, como já dissemos, não era fácil falar de Deus, por
isso, muitas vezes utilizava-se de superlativos para referir-se a Deus,
inclusive de sinais que demonstravam esta grande presença de Deus em sua vida
Para o santo romano, o amor infinito de Deus é a própria misericórdia, sendo
esta, o excesso de amor incompreensível[5].
Para que Pallotti
escrevesse sobre o amor infinito de Deus para com ele era preciso que
experimentasse de tal misericórdia, reconhecendo assim, suas limitações e
dificuldades. Deste modo, revigoraria suas forças, num processo de conversão,
buscando sua própria salvação e a do próximo, voltando ao conceito de Homo
Viator, demonstrando o seu desejo de corresponder ao amor infinito que Deus
tem para consigo.
Meu Deus, o Amor vos
obriga a Excessos. Mas os Excessos do vosso Amor infinito para comigo é
infinitamente maior do que todos os Excessos do vosso Amor que operastes e
operarás para com todas as criaturas que existiram, existem e existirão... Uma
coisa me consola nesse nosso excesso sempre antigo e sempre novo de todos os
momentos de minha vida, e é esta: consola-me que, por toda a Eternidade, será,
por esse vosso Excesso, glorificado o vosso amor infinito tão infinitamente
misericordioso para comigo[6].
Pallotti enquanto
sacerdote romano era muito ativo entre o clero e todo o povo de Deus, com isso
não poderia ficar indiferente diante de tão grande amor de Deus para com ele.
Corresponder a misericórdia divina seria a perfeita cooperação para com o
próprio Deus, uma reciprocidade, correlação e correspondência. Mas assim,
Pallotti se depara com o questionamento de quem é o homem diante de vós?
Quem sou eu diante de
Deus, é a pergunta que Pallotti responde reconhecendo suas misérias, mesmo
sendo aquelas que estão no mais oculto de seu íntimo. “Onde está o Homem do
Pecado? Ei-lo: eu sou o homem do pecado[7]. Pallotti se reconhece
como o homem do pecado fazendo referência a Segunda Carta de São Paulo aos
Tessalonicenses em que o ímpio se revelará. Com tudo, São Vicente Pallotti não
deixa que tal afirmação o abale, pois confia no Deus que é Amor infinito, que
age com sua misericórdia. É por isso que Pallotti vê o homem e se reconhece
como o homem do pecado, pois mesmo tendo seus atributos, suas habilidades,
sendo criado a imagem e semelhança de Deus, refere-se ao homem como “homem do
pecado”, justamente para destacar que Deus é o Amor infinito, Ele é maior que
tudo.
Mas para que o homem
possa cooperar com Deus em sua misericórdia é preciso que se aproxime de d'Ele,
ou seja, que o homem busque ser o próprio Deus, assim escreve Pallotti: “ó meu
Deus, absorvei-me todo, e sou e serei, pela vossa misericórdia, transformado na
misericórdia, aniquilado na misericórdia, transformado na misericórdia infinita
[...] de modo que não existo eu, nem existirei mais, e sim vossa infinita
Misericórdia”[8].
Por outro lado, Pallotti reconhece que precisa também da humildade de Jesus
Cristo, humilhando-se, pois o que afasta o homem de Deus é o orgulho impedindo
de conhecer verdadeiramente Deus.
Assim sendo, São Vicente
Pallotti escreve o caminho que homem deve percorrer para que possas chegar ao
conhecimento de Deus, sendo este o caminho do nada ao tudo. Ou seja, o homem
que é o nada, reconhece suas misérias, limitações e dificuldades, mas que confia
em Deus que é o tudo, o Amor infinito, a Misericórdia. “Vós, meu Deus, vós sois
tudo, tudo, tudo, eu não sou nada, nada, nada”[9]. Do nada ao tudo, Pallotti
acredita que pelo Amor infinito Deus pode transformar o homem concedendo a ele
dons, graças e inspirações para que possa cooperar com Deus em sua própria
salvação e a de seu próximo.
Podemos
concluir que o “nosso único fim é a glória de Deus e a salvação das almas, o
único mal é o pecado, o único bem é o paraíso, o único exemplo de vida é Jesus
Cristo e o único meio para alcançar a misericórdia é a ajuda ao próximo nas necessidades
espirituais e temporais”[10]. Por isso, “a regra
fundamental de nossa mínima congregação é a vida de nosso Senhor Jesus Cristo,
a ser imitado em todas as obras da vida pública e oculta e dos ministérios
evangélicos, para a maior glória de Deus nosso Pai celeste e para a maior
santificação da nossa alma e a dos nossos próximos[11]. Assim, Pallotti em seus
escritos deixa claro que não é possível compreender o homem sem Deus.
[1]
STAWICKI, Stanislaw. Cooperação, paixão de uma vida: vida e maneira de viver de
Vicente Pallotti, Santa Maria: Biblos, 2007, p. 145.
[2] Idem, p. 149.
[3] OOCC X, 447.
[4] OOCC XI, 42.
[5] OOCC XIII, 129.
[6] OOCC
X, 278.
[7] OOCC X, 700.
[8] OOCC X, 366.
[9] OOCC X, 237; 485.
[10] OOCC IV, 46.
[11] OOCC III, 40.