domingo, 20 de março de 2011

2. Retiro quaresmal

O fascínio do pecado

“O pecado sussurra ao ímpio, lá no fundo do seu coração” (Sl 35,2). “Diante de meus olhos, tenho sempre o meu pecado” (Sl 50,5). “Dirigi meus passos segundo a vossa palavra, a fim de que jamais o pecado reine sobre mim” (Sl 118, 133).
A experiência mais trágica que o ser humano pode fazer é a do pecado, pois ele divide o coração humano e o conduz à morte (Rm 5, 12.14-15a-17.19). Um coração dividido é um coração inquieto, sem paz. Mas experimentando o pecado, podemos também experimentar a misericórdia infinita de Deus que não olha para o pecado cometido, mas para o pecador e o quer resgatá-lo (Ez 33,11). Esta experiência é bem maior que aquela de estar longe do amor de Deus.
Mas, a minha história de pecado é também a história da misericórdia de Deus por mim. Com o pecado, coloco-me em uma situação de bloqueio, sem um possível retorno da minha parte. Só Deus, infinita potência e perdão, pode reintroduzir-me na graça. Nem a minha conversão bastaria em si mesma: é o amor perdoante que me reintegra na relação de amor salvífico, na graça. O perdão e a reconciliação acontecem no abraço misericordioso de Deus, acolhido com alegria e confiança.
Na perspectiva da salvação, o fundamental é sempre a graça e o amor de Deus. O pecado e a culpa são vistos a partir dessa experiência de salvação gratuita oferecida pelo Deus Ágape. Na experiência cristã, o primeiro e mais fundamental não é a consideração do pecado e da culpa, mas a abertura para acolher o dom do amor misericordioso do Deus Ágape. (Alfonso Garcia Rubio. A caminho da maturidade na experiência de Deus. Paulinas, 2008, p. 203).
Através da graça de Deus, percebemos o significado destruidor e desumanizador do pecado, que conduz a uma situação de escravidão.
O prioritário é deixar que Deus seja Deus, de verdade, em nossa vida. Acolher o amor de Deus nunca deixa o ser humano passivo.
Pecado e graça são duas histórias paralelas que se cruzam e misturam, de forma maravilhosa, na história da humanidade e na vida de hoje. Onde foi grande o pecado, maior foi a graça, diz São Paulo (Rm 5,20). Pecado e perdão se apresentam como dois elementos evidentes de uma única história de amor, de uma história de dois corações: o coração de Deus e o nosso.
Tomando consciência do amor infinito de Deus por mim, posso reconhecer-me pecador, porque o meu pecado é uma história de amor, de amor faltado, de amor falsificado, ilusório, infiel, para com um amor fiel (1Cor 10,13). A cada pecado cometido por mim, Deus respondeu com amor que perdoa. A cada infidelidade minha, ele sempre reafirmou o seu amor fiel por mim. (Gl 2,20)
O pecado existe somente em relação a um relacionamento de amor. É um vazio de amor. O vazio não pode ser apagado, supresso, mas somente preenchido. Eis o que é o perdão, o ato que vem preencher este vazio de amor com o dom do amor. É verdade que o importante, o que vem primeiro não é o reconhecimento do pecado, mas o reconhecimento do amor misericordioso (Cr 16,34). Este conduz à conversão. Somente quando o filho pródigo se encontrou com o amor do pai, reconheceu-se pecador e converteu-se (trata-me como a um dos teus servos. Não sou mais digno de ser considerado teu filho – Lc 15,19). O amor precede a conversão, e não é a conversão que nos faz merecer o amor.
O pecado substancialmente, na sua raiz, é um vazio, um vazio de amor, não compreende a comunhão de amor gratuito, se isola, não recebe e não dá amor, eis o pecado, o vazio de amor (primeiro vem o vazio de amor, depois os atos maus, pecaminosos).
Para santo Agostinho, o pecado não acontece de repente e por acaso. Ele faz todo um percurso até chegar aos fatos (Mt 5,28). Os bens buscados pelos pecadores de nenhum modo são coisas más. O que os pecadores visam se lhes apresenta como um bem. Ninguém quer o mal pelo mal. Os bens buscados pelo pecador se apresentam como sendo fascinantes.
Num primeiro momento, eles se insinuam como sendo a conquista de algo que vale a pena. São coisas belas. É uma ilusão de felicidade, que obscurece o coração do pecador. Ele cede à ilusão de prazer e felicidade. (Mc 4,19)
O pecado não consiste em se deleitar com as obras de Deus, consiste, antes, em preferir ficar com a obra de arte, em vez de, através deles, chegar ao artista. Consiste em contentar-se com os vestígios, em vez de chegar ao criador (Pr 2,6-15). “Pareceu bem aos olhos e ao paladar”. Pura sensação externa.
Entretanto, uma vez separado de Deus, por uma opção livre, o ser humano tende a parar no caminho e a apegar-se a qualquer coisa. (Frei Moser. O pecado: do descrédito ao aprofundamento, 184).
O pior pecado consiste no fato de, ao afastar-se de Deus, o ser humano começa a imitá-lo, mas perversamente. A primeira tentação é a do orgulho, de ser como Deus (Gn 3,5). Pelo orgulho, o ser humano volta sobre si mesmo, em si mesmo se compraz. Negando Deus, desta forma vai tomar a si mesmo e a sua vontade como normas do seu agir. Eu sou assim mesmo. Deus me fez assim, por isso estou isento de culpa e o pecado faz parte da minha vida. Não tenho outra escolha senão pecar. O problema não foi criado por mim, pois estou cedendo apenas a uma inclinação mais forte que eu. Isso já está marcado em mim.
Com isto está aberto o caminho para o ser humano não apenas usurpar o lugar de Deus, mas, em consequência testa primeira usurpação, julga-se no direito de também usurpar os bens que Deus destinou a todos. P. 185
É através do reconhecimento das próprias limitações e do próprio pecado que se abre um caminho para a construção de um novo eu, apontando continuamente para um dever ser. A verdadeira consciência do pecado não olha tanto para trás, antes, sem renegar o passado, abre-se esplendorosamente para o futuro, confiante na misericórdia divina. E quanto ao sentimento patológico de culpabilidade leva a uma busca desesperada de autojustificação e a não aceitação da sua própria responsabilidade. P. 210
Essa desculpa não é nova. Adão também tentou livrar-se da culpa diante de Deus, dizendo: “A mulher que você colocou na minha vida deu-me de comer o fruto da árvore proibida” (Gn 3,12). A mulher também se desculpou: “A serpente me enganou” (Gn 3,13). Portanto, diante destas afirmações, ambos tentaram se eximir de qualquer responsabilidade diante de Deus, mas Deus não aceitou essa desculpa. Se o ser humano é livre para pecar, deve ser livre também para assumir as consequências do seu pecado: o afastamento do amor de Deus, e consequentemente, a morte. Deus é a fonte da vida, e sem ele a vida perde o seu sentido. O ser humano caminha em direção ao nada, por isso se anula, adoece. As portas se fecham e a pessoa acaba ficando apenas com a sua triste realidade. Afunda-se em um mar de lama e quando mais se agita, mais se afunda, porque não construiu sua vida sob uma base sólida. Este é o sentido da morte provocada pelo pecado.
O pecado é não querer progredir, não querer chegar ao âmago de si mesmo, onde o humano e o divino se encontram. Pecar é negar a origem do seu ser.
O pecado é um não a si mesmo, enquanto ser finito que só se realiza na medida em que mergulha no infinito. Todo pecado é ficar em si mesmo, num esquecimento de que nosso ser profundo é manifestação do invisível. P. 217
O pecado é programado, como se programa um computador. A pessoa sempre pode interromper o processo, mas, se não o fizer, o resultado será como que uma conclusão lógica. Seria surpreendente se não se concretizasse. Jesus dizia que o pecado nasce no coração humano. P. 228
Os justos e pecadores são colocados diante de uma opção nova e decisiva. Justos e pecadores deverão acolher a mensagem do reino e colocá-la em prática. O que deve ser pregado é a salvação e não o pecado. Esta foi a tônica dada por Jesus. (Mc 2, 17)
Zaqueu quando entra na sua casa tudo se ilumina, inclusive a consciência do pecado.
Em Pallotti, a experiência fundamental da sua vida é que Deus é misericórdia infinita. Quanto mais luz tem, mais claras ficam as coisas. Pallotti, iluminado pela graça de Deus, descobriu o seu nada e pecado. Por isso sempre pedia que a vida de Cristo fosse a sua vida.
(Ratio 140 – Kenose de Pallotti)
Acontece nele um autoesvaziamento para que sua vida vá se transformando em Cristo. Na medida em que me esvazio de tudo aquilo que me atrapalha para um autêntico relacionamento com Cristo, vou-me transformando nele. Do nada ao tudo.
Sem o reconhecimento do pecado, não há caminho de conversão. Pallotti sempre complementa que a misericórdia de Deus é tudo. Ele é pecador, mas amado e perdoado por Deus. Eu sou puro pecado, mas a graça de Deus é maior que meu limite.
O pecado é consequência do vazio de amor. É a falta da presença e de sentir-se amado por Deus. Misericórdia significa ter um coração pobre. Só pode ter misericórdia quem experimenta a misericórdia. A maneira mais autêntica do amor humano é a compaixão. Em Lucas 15,11-32, encontramos a dinâmica da misericórdia divina. O pai não olha o mal praticado pelo filho, mas se alegra porque ele estava morto e agora passou a viver, estava perdido e foi reencontrado. Para Deus basta isto, que voltemos pressurosos para o aconchego da casa, onde reina o amor.

Rm 5,8.20

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