sábado, 2 de abril de 2011

4- Reflexão quaresmal



O SENTIDO DO PECADO



Para descobrir o sentido do pecado é preciso descobrir o sentido de Deus. Em Lc 5,8, encontramos: “Afasta-te de mim porque sou um pecador. O publicano não levantava o olho para o céu (Lc 18,13). O fariseu, ao contrário, fica de pé diante de Deus, pois pensa que pode estabelecer o confronto sem problemas, como igual para igual, como se Deus fosse somente um amigo. Com essa pretensão, dentro deste projeto sentimental de intimidade, é difícil até certo ponto descobrir-se alguém pecador. “Hoje devo ficar em sua casa” (Lc 19,6). Mas antes disso foi importante para Zaqueu ter feito a experiência da impotência, de sentir a ausência de Deus para depois aceitar a sua inefabilidade. Sem passar pelo deserto da transcendência, não se pode depois desfrutar da revelação. Aceitar o amor de Deus, é a condição indispensável para fazer nascer em si uma consciência de pecado e perceber a dor de ter ofendido essa divina vontade. O fariseu na parábola não suplica a Deus, nem tem necessidade de ouvi-lo, já eliminou as distâncias com suas palavras e se ilude de ter uma linha direta com o altíssimo. Como fala só consigo mesmo, encontra-se só com os seus méritos e suas pretensões. Agradecer a Deus porque é sem vícios, não porque sinta amado por Deus. Não descobre nenhum projeto divino sobre si, basta-lhe saber que é melhor que os outros. O seu monólogo é um palavreado vazio, exibicionismo enganoso de um EU que não tem outro deus além de si mesmo e que, portanto, paradoxalmente, não poderá jamais pecar nem sentir dor alguma. Diante da luz, descobrimos que somos trevas. Diante do amor nos sentimos egoístas, apesar dos nossos jejuns e de nossas observâncias. “Tende piedade de mim pecador” (Lc 18,13). É uma oração espontânea, simples e essencial, como de alguém que se encontra em extrema necessidade. É algo verdadeiro e coerente, parque nasce de uma experiência profunda do próprio pecado e da própria incapacidade de livrar-se dele. Somente quem conhece e sofre seu pecado diante de Deus pode descobrir sua bondade e esperar seu perdão. A reconciliação com Deus passa necessariamente pela contemplação da cruz: somente esta é que pode me dar, ao mesmo tempo, a plena certeza de estar plenamente perdoado e também de ter custado muito por ter rompido um vínculo que somente o sacrifício do Filho poderia se constituir. A cruz é a medida do amor do Pai e do meu pecado. A reconciliação com Deus é encontro com aquele amor e consciência daquele pecado. Não pode haver reconciliação sem a experiência da cruz. A cruz de Cristo purifica a nossa imagem de Deus, destrói os nossos ídolos, nos impede de projetar em Deus os nossos sonhos frustrados de onipotência, de glória e de domínio. O Deus da cruz é mais escândalo do que fascínio (1Cor 1,23). Quem não sofre a dor do próprio erro e não está reconciliado com o Deus da cruz, muito dificilmente será uma pessoa misericordiosa. Perdoar é depor as armas das nossas extorsões psicológicas, é renunciar fazer justiça em causa própria. O perdão exige grande liberdade interior. Ao perdoar-nos, Deus cria em nós um coração novo, feito de acordo com o seu, capaz de perdoar à sua maneira. Poder perdoar é dom de Deus; é, sobretudo, quem perdoa que vive a experiência de ser amado pelo Pai. Dar perdão não significa por o outro de joelhos para que reconheça as suas injustiças, nem mesmo obrigá-lo a reconhecer sua falta fazendo-o avaliar a sua culpa. O verdadeiro perdão é sincero, mostra uma vontade real de acolhida e comunhão. Confessar a Deus o próprio erro quer dizer experimentar a abundância de seu perdão e sentir-se reconciliado com o Deus da cruz, fraco e amoroso. O pecado é a decisão de construir a própria vida segundo o sonho de uma autonomia suficiente e surda (Sl 95,7-11; Hb 3,7-4,11). Pedro toma consciência do seu pecado (Lc 5,8). Isaías sente que seus lábios são impuros (Is 6,5) O pecado, portanto, não está nas coisas exteriores, nem dentro da própria natureza humana, mas na decisão que frustra o plano harmonioso de Deus. O pecado modifica o nó de relações que é a própria vida do homem. O homem criado para ir à procura de Deus, agora, se sente transformado na criatura procurada por Deus. Seus semelhantes, neste caso a mulher, se transformam em inimigos seus. Sem dúvida, o pecado do homem não significa a última palavra. Deus está decidido manter o homem em seu projeto de vida e esperança (Gen 3,15). Todo pecado é uma idolatria, uma substituição: as coisas de Deus no lugar do Deus das coisas. Todo pecado é uma ingratidão, um abandono do Deus apaixonado pelo povo; um adultério diante do Senhor que desposou seu povo (Os 1, 2; Jer 2, 2; Ez 16 e 23). Paulo conclui dizendo que a lei do Espírito é que dá a vida. Em Cristo Jesus nos libertou do pecado e da morte (Rom 8,2). É na consciência de cada um que Deus se revela, e como diz a Gaudium et Spes 16 “A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem, onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa sua voz”.

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