
VICENTE PALLOTTI E SEU NOVO PARADIGMA
“Quem não ama não pode viver” (OOCC X, 226 e 614). “Ou morrer ou amar infinitamente”.
“Parai um pouco na estrada para observar, e perguntai sobre os antigos caminhos, e qual será o melhor, para seguirdes por ele; assim ficareis mais tranqüilos em vossos corações” (Jer 6,16).
Ainda muito jovem, Pallotti percebeu que Deus tinha confiado a ele uma grande missão. Mas sentiu também que, com suas próprias forças, era impossível atingir aquilo que Deus lhe confiara, porque dentro dele o limite humano imperava.
Segundo alguns depoimentos no processo de beatificação, encontramos que Pallotti era dotado de espírito de grande liderança e de intensa caridade. Possuía um temperamento de tenacidade legítima, que não chegava a ser teimosia. Tinha uma inteligência acima da média e apta para temas científicos e para discussão de tais temas. Isto lhe dava seguro senso crítico capaz de torná-lo apto para uma carreira acadêmica. Porém, Vicente possuía um senso vivo da realidade. (Todisco, p. 151).
Foi declarado, ainda, que ele possuía uma natureza fogosa, mas soube dominar este fogo e, ao ser insultado por alguém mostrava-se paciente e dócil. Pe. Vaccari também confirma esse seu temperamento, porém, a sua vigilância o fazia sempre doce e bondoso. (Todisco, p. 151).
“Não sou capaz de dar bom exemplo, mas com a graça de Deus, serei capaz de santificar o mundo” (OOCC X, 607). “Peço a Deus um caminho santo” (OOCC X, 97).
Possuía, ainda, uma inclinação temperamental para o orgulho, para a ambição, para o mando, para a imposição do próprio querer sobre o dos outros. “Removerei os obstáculos que possam impedir a minha santificação; o obstáculo maior dentro de mim é o orgulho” (Prop. e aspirações, n. 197).
“Destruí a minha vida e dai-me a vossa vida de caridade. Transformai-me na vossa caridade” (OOCC X, 674-675).
Pe. Rafael Mélia diz: “Sou testemunha e admirador de sua perene, inalterável mansidão para comigo e para com todos os outros. Nas recreações em que, às vezes, estava presente, mostrava uma santa alegria, a ponto de tornar-se modelo e referência para os mais, no fazer uma santa recreação. Além disso, a fecundidade de suas idéias, a hilaridade do seu espírito, a sua cortesia e os seus modos gentis despertavam, realmente, prazer em quem com ele conversasse”. (Todisco, p. 152).
“Quero ter dentro de mim uma profunda compaixão pelas viúvas, agricultores, doentes. Quero sentir as suas aflições” (OOCC X, 19-20). “Quero ser luz para os cegos, bebida...” (OOCC X , 15-16; Prop. e aspirações, n. 197).
O padre Vicente não viveu senão para Deus e para sua glória. Propunha-se elevar a mente para Deus em tudo que tivesse visto e lido, com a aspiração de que tudo redundasse em maior glória para Ele. Para a maior glória dele, socorria os pobres.
No seu fervor juvenil, em 1816, dizia: “Em todas as minhas ações e nas alheias, entendo, que não se tenha outro critério ou finalidade, que não seja Deus. Não quero nada senão Deus” (OOCC X, 68; Todisco, p 154).
Dentre todas as criaturas, fixou sua atenção sobre a humanidade. Padre Vicente foi um homem de cidade e o panorama é essencialmente humano. A natureza que ele contemplava era a que estava encerrada no interior dos muros, dos parques privados ou públicos.
O seu maior relacionamento cotidiano foi com as pessoas aflitas, angustiadas, atribuladas, fadigadas, oprimidas e oneradas de trabalhos e de cargas, como, por exemplo, pobres chaveiros, camponeses, carroceiros, carpinteiros, pedreiros, pobres mulheres aflitas pelos cuidados domésticos, agoniadas, adoecidas por causa dos filhos, pelas longas vigílias suportadas quando eles adoecem. A opressão de tantas jovens expostas ao perigo de perder a honra; a opressão de órfãos, de viúvas desoladas... (OOCC X, 19-20)[1]; (Todisco, p. 160).
Esta não foi uma simples consideração intelectual, mas contemplação cristã, ou seja, visão à medida de Deus, permeada de amor. Juntamente com os oprimidos por sofrimentos morais e físicos, que ele sempre tratou de aliviar, desfilaram diante dele pecadores, infiéis, hereges, ignorantes, que todos o impeliam a agir. Por isso que o padre Vicente era homem radicalmente apostólico, a contemplação o levou à ação e à caridade: “Procurarei estimular-me no sentido de uma viva compaixão para com estas criaturas, a fim de socorrê-las conforme as leis da piedade cristã e de uma santa prudência” (OOCC X, 20).
O amor a Deus foi a marca registrada do jovem Pallotti. A glorificação de Deus se traduzia em amor para com ele e a sua espiritualidade. Glorificar a Deus e sofrer para tornar infinita a glorificação, juntamente com a vocação apostólica, foram os pilares da experiência religiosa e da orientação de toda a vida de Pallotti.
O amor, qual meio de glorificação, inicialmente parecia levá-lo à contemplação. Vicente parecia estar no céu, para amar e, na terra, para amar e sofrer, e não para trabalhar pela glória de Deus. A espiritualidade do jovem Pallotti parecia centrar-se no aspecto adoração da vocação sacerdotal. (cf. OOCC X, 163).
Seu cultivo espiritual
Vicente Pallotti, que tinha dedicado a existência ao serviço de Deus e ao ministério em favor do próximo, cultivou, pois, uma atitude de profunda adoração de Deus e de Jesus Eucaristia e de veneração para com Maria, os Anjos, os Santos e os justos.
A vivência do mistério eucarístico o leva a uma configuração a Cristo, onde sua vida, suas atitudes, seu apostolado fosse a vida do próprio Cristo (Gal 2,20). Porém, essa perfeição só pode ser encontrada no Cenáculo. Através de seu exemplo, Pallotti nos impulsiona a nutrir um profundo amor pela Eucaristia, fonte de graças e de bênçãos para todo apostolado.
Propósitos
a) comungar todos os dias até o fim de sua vida
b) fixar sua atenção na eucaristia;
c) aumentar os adoradores e os que participam da Eucaristia;
d) viver permanentemente em preparação, busca e ação de graças, participando nos infinitos mistérios da Eucaristia;
e) desejava que a eucaristia operasse nele.
A oração era o centro da vida de Pallotti. Recomendava a todos: oração, oração, oração, para alcançar a submissão da vontade ao querer divino. (OCL I, 7;12;25;35;53). A oração cria um clima de santidade nos grupos que se dedicam à ação apostólica.
O Padre Vicente se preocupava para que a oração dos leigos fosse mais profunda. Ainda jovem traçou para as famílias cristãs um programa de orações, que incluía uma breve meditação diária, alternando a da paixão de Cristo com uma, sugerida pelo livro das Máximas Eternas de Santo Afonso, oração do rosário, das ladainhas etc. (Todisco, p. 167).
Algo muito vivo tinha em sua mente: “Façamos todo o bem possível, infinitamente multiplicado. Façamos o bem infinito, infinitamente multiplicado, o quanto seja possível” (OCL 10; 11;15).
Finalmente procuremos sempre intimar guerra implacável contra o maldito pecado. (p. 168).
Vicente Pallotti, o apóstolo da juventude
Dezessete meses após sua ordenação sacerdotal, a 24 de outubro de 1819, reconhecia que o Espírito de Deus recebido lhe proporcionava graças abundantes, capazes de produzir frutos para o bem do próximo (Todisco, p. 179).
Duas coisas, dentre muitas, suscitam a nossa admiração pelo jovem sacerdote Vicente Pallotti: a incansável dedicação apostólica e o vivíssimo espírito sacerdotal. Ele viveu intensamente para Cristo e para a Igreja. Ele queria que todos tivessem a mesma dedicação. Dizia ele: “Ah quanto bem pode realizar um eclesiástico zeloso!” (OCL I, 5; 8; 9).
No vigor de sua juventude usava algumas palavras de motivação, tais como: “empenho, propagar e fazer com que se propague”. “Trabalhemos, trabalhemos infinitamente, a todo instante infinitésimo. Entre tudo o que é divino, não há nada de mais divino que cooperar para a salvação das almas”. (Todisco, p. 180). Não era só questão de trabalho. Exortava, antes de tudo, a rezar em sentido apostólico, para a glória de Deus e a salvação das almas.
Nas pessoas, o padre Vicente valorizava principalmente o espírito de oração e o zelo ativo. Ele era muito sensível no trato das pessoas. Ele costumava saudar os colaboradores um depois do outro pelo nome. Ele dava uma atenção especial, a cada pessoa, individualmente. Pallotti sabia surpreendê-las com um sorriso nos lábios e um aperto de mão, como que a dizer: você é muito importante para Deus.
O senso de fraternidade e de indiscutível liderança foram importantes no desenvolvimento da personalidade de Vicente Pallotti. Ele manifestou, logo depois da ordenação, a capacidade de se fazer rodear de eclesiásticos dedicados ao apostolado, inspirando aquela fraternidade que, mais tarde, foi nota distintiva da sua fundação. (Todisco, p. 183). Pallotti encantava as pessoas com seu modo acolhedor de ser. Via, no outro, a pessoa de Cristo.
Pallotti tinha objetivos claros e viáveis
O jovem Pallotti queria que todos os companheiros se filiassem à Pia União da Imaculada, recebendo o respectivo escapulário propagado pelos Teatinos, para que a luta contra o demônio se desenvolvesse sob a proteção de Maria concebida sem pecado. Queria também uma guerra, sem trégua, contra o maligno, suprimindo as ocasiões públicas de pecado.
Pallotti estimulava as pessoas a terem metas e persegui-las. Ele encorajava as pessoas para não terem medo de fracassar, pois não há podium sem derrota.
Pallotti dava respostas incomuns para a sua época, diferente daquelas que todos estavam acostumados a dar: “não tem jeito, está tudo perdido”, mas não faziam nada para mudar. Ele estimulava os jovens a pensar e agir. “Com Deus, tudo posso”.
Na Sapienza Pallotti animava grupinhos de discussão, formados espontaneamente à saída das aulas. Dois meses depois de sua ordenação, Pallotti foi nomeado professor suplente de teologia. Padre Vicente depois das aulas de teologia organizava uma discussão entre os alunos sobre o tema exposto havia pouco.
Padre Mélia dizia que Vicente Pallotti juntava em si admiravelmente duas coisas não fáceis de se encontrarem juntas na mesma pessoa, isto é, uma piedade muito grande, unida a uma ciência eminente que resultava em grande utilidade. (Todisco, p. 193).
O jovem sacerdote Pallotti freqüentemente meditou sobre seu futuro como ministro de Deus e da Igreja, não se contentou em apenas ministrar sacramentos e dar aulas. Em 1819, um ano depois da ordenação sacerdotal, começou a pregar à noite, à gente da praça. As pessoas conquistadas por suas palavras cheias de fervor cercavam-no e, enchendo aquela praça a ponto de impedir a passagem dos carros.
Foi um modo de levar o Evangelho às pessoas que não participavam da Igreja. As pessoas, sedentas por novidades, corriam atrás dele. (Todisco, p. 197). Ao final da pregação introdutória, pregador e povo dirigiam-se para rezar e cantar na Igreja de São Nicolau. As pessoas rezavam e o jovem padre instruía e confessava.
Resolvendo problemas: diante da dificuldade para pregar devido ao barulho das crianças na praça, recorreu a um leigo para que ele desse catequese para as crianças. Algo inédito na época. Enquanto ele instruía os adultos, Giacomo ensinava catecismo aos pequenos, fazia-os cantar à vontade e atraía a atenção da garotada. Nasceram, assim, as escolas noturnas de religião para os filhos dos artesãos. (Todisco, p. 198).
Pregava exercícios espirituais no morro do Gianicolo.
Não há duvida de que, nestes primeiros anos de seu ministério, padre Vicente se tenha especializado na que hoje é chamada pastoral da juventude. Sem que ele suspeitasse, Deus lhe preparava um campo de trabalho mais amplo.
Sem sombra de dúvida, podemos afirmar que, em Pallotti, a exortação de São Paulo, que segue, foi vivida integralmente por ele.
O amor seja sincero. Detestai o mal, apegai-vos ao bem. Que o amor fraterno vos una uns aos outros com terna perfeição, prevenindo-vos com atenções recíprocas. Sede zelosos e diligentes, fervorosos de espírito, servindo sempre ao Senhor, alegres por causa da esperança, fortes nas tribulações, perseverantes na oração (Rm 12,9-12).
As ações de Pallotti, que seguem, sugerem algo para nossos jovens?
1. Pallotti intuiu e lutou por ideais nobres.
2. Na sua juventude sacerdotal sonhava-esperando por um futuro diferente.
3. Não reclamava das dificuldades e nem esperava pelas ações dos outros, simplesmente agia e envolvia a todos para ter sucesso na sua ação.
4. Era um jovem cheio de ousadia: ele não repetia velhos conceitos, mas criava novas formas de evangelização.
5. A oração era sua companheira na estrada da vida.
6. Não tinha medo de expor sua fé e de defendê-la publicamente.
7. Nunca se rendeu às solicitações humanas, mas superou-as pela força da oração e dos sacramentos.
8. Jesus pergunta: o que dizem quem eu sou? Pallotti diz o que experimentou de Cristo.
O apostolado católico nos faz discípulos missionários. O discípulo, porém, só será missionário se for apaixonado por Cristo. O que aumenta a sua paixão é o encontro pessoal com Ele na Eucaristia, nos sacramentos, na escuta atenta da Palavra, na devoção à Maria. Tudo isso deve ser acompanhado por uma contínua conversão pessoal. Como diz São Bento: “Conversão dos costumes”.
Segundo o exemplo de nosso fundador, devemos ir ao encontro daqueles que estão afastados de Deus e que vivem na indiferença religiosa.
Por que o apostolado católico ainda não é levado a sério pelos cristãos? Primeiro, porque somos imperfeitos e necessitamos de contínua conversão. Todos os dias devemos renovar nossa opção por Cristo e de viver só para Ele. Segundo, porque perdemos tempo com coisas insignificantes, com preocupações sem sentido, por discórdias na comunidade, por disputa de poder. “Quem é o maior”.
Pallotti nunca criticou as estruturas do seu tempo, mas propôs uma nova maneira de viver o cristianismo, reavivando a fé e reacendendo a caridade.
Como discípulos missionários, somos convidados a sair do nosso conforto e ir ao encontro daquele que está distante de Deus, daquele que está confuso, perdido, doente e que vive uma vida sem sentido. Muitos não precisam ser apenas resgatados em sua fé, mas principalmente em sua humanidade.
Onde estão os nossos jovens? Eis a pergunta! Eles estão muito próximos de nós. Estão nas nossas casas, no nosso bairro, nas escolas, nos shoppings, nas avenidas, nas baladas. Estão perambulando pelas ruas como ovelhas sem pastor. Muitos deles já foram interceptados pelo mau pastor, por aqueles que se aproveitam dos seus sonhos juvenis ousados, para lhes oferecer não uma vida abundante como nos propõe o evangelho (Jo 10,10), mas uma vida limitada e que leva à verdadeira destruição e ao fracasso. Uma vida sem sentido. Mas o jovem quer viver, quer produzir algo novo.
Como surpreender esses jovens com algo fascinante, que os leve a sair da inércia para queimarem suas energias juvenis com algo que edifique a si mesmo e os outros?
Por que Cristo fascinou tanta gente ao longo dos séculos? Qual é a sua proposta de vida? O que falta para nós, que nos consideramos evangelizadores e portadores da “Boa Notícia” de Jesus e não conseguimos atingir satisfatoriamente as pessoas? Talvez falta em nós a paixão por Jesus Cristo.
Que tipo de notícia estamos anunciando? Uma coisa é certa, não devemos ter a preocupação de sermos iguais a todos. Ser mais um. O jovem não deve ser mais um no meio da multidão. Ele deve fazer a diferença, por mais que isso lhe custe a incompreensão.
Se a sua atitude já provocou desconforto em alguém, pode ter certeza que você está movido por uma proposta diferente, cheia de vida e de sentido. Você já está destoando daquilo que dizem ser convencional. A sua proposta de vida é outra. Diante dessa realidade, Jesus tem uma palavra. “Não temais” (Jo 6,20).
O grande problema de muitos jovens é que eles estão conectados em tudo. A sociedade moderna os deixa informado de tudo, porém falta-lhes critério para fazer uma boa escolha. Uma escolha que, realmente, lhes proporcione uma vida plena de sentido. Como mostrar para eles algo que é muito superior àquilo que eles têm como o centro das suas emoções? Muitos estão fragmentados emocionalmente, diante de tantos desafios da sociedade moderna.
Hoje, mais do que nunca, devemos procurar curar suas feridas interiores para que estejam abertos à graça de Deus e às necessidades dos irmãos. A melhor maneira de buscar a Deus é ouvir o que eles têm a nos dizer. Essa escuta, porém, deve ser diária.
A ovelha só reconhece a voz do seu pastor, porque desde seu nascimento está ouvindo aquela mesma voz cheia de ternura do lado dela. Se não nos aproximarmos de Deus, dificilmente a sua Palavra encontrará eco dentro de nós. Se tivermos uma espiritualidade superficial, nossos discursos serão vazios e estéreis. Não surpreenderemos ninguém com o nosso modo de ser e muito menos fascinaremos com o nosso modo de viver.